Oi Nois Aqui Traveiz

La Misión: hasta la victoria, siempre

(A Missão - Lembrança de uma Revolução, 2006)

Jorge Arias (Zero Hora, abril de 1978) 

As criações do “Ói Nóis Aqui Traveiz” são, infalivelmente, originais. Há várias interpretações possíveis e muitas encenações de “A Missão” de Müller; a dos “atuadores” difere tanto da montevideana de Alberto Rivero, como da leitura encenada de Luciano Alabarse, assim como da leitura deste crítico sobre o texto. 

Esta pluralidade não é contradição ou incoerência, mas riqueza; e a obra de Müller ganha em ser apreciada em suas distintas faces e diferentes ângulos.

Vemos na “Terreira da Tribo” o Müller poeta, o criador imaginativo fantástico, de a “Descrição de Imagem”. Os ´atuadores´ deram relevância  ao Primeiro Amor, ao anjo do desespero e à cena do Elevador, tão difícil de encaixar com o resto da peça, todas as cenas onde o autor reivindica o espaço do sonho, da fantasia livre, em suma, da liberdade humana; liberdade da imaginação que leva o autor ao nosso mundo de hoje, à Ásia, África  e à América Latina, únicos lugares onde a civilização ocidental pode ser desafiada. Na cena do Elevador, como demonstração de independência e de invenção o “Ói Nóis Aqui Traveiz” colocou o homem em um vão, praticamente em um poço. Como conseqüência, a visão européia deu lugar a um outro olhar, por um lado mais particular, que nos compromete, e por outro lado mais universal, na medida que essa lâmpada acesa pelo autor ilumina nossos territórios, nosso passado montevideano em particular, desonrado pela escravatura e pela sujeição. Da mesma forma que se considerou a escravidão  como inerente à humanidade, nem o primeiro cônsul, nem a monarquia, nem o capitalismo são inerentes. Tampouco é patrimônio da humanidade a transmissão patrilinear do poder; mencionada finamente na encenação, como nos assinalou Tânia Farias, quando os escravos são representados  exclusivamente por mulheres, o que alude  a uma segunda escravidão, ao “proletariado doméstico” de  Engels, sujeição da qual ainda não nos libertamos por completo. A encenação tem uma riqueza de detalhes que à primeira vista não podemos apreciar na sua totalidade. Na primeira cena, por exemplo,  na casa do Antoine, as pilhas de livros (que todos roçam e ninguém chega a derrubar) e sua fantástica aparição saindo dos armários como uma avalanche, sugerem a força física das idéias, a imposição  do intelecto sobre a vida, a obra daqueles que se atreveram a enunciar idéias de liberdade que modificariam o mundo com a Revolução Francesa. Tânia também ressaltou que a música ouvida pelos espectadores, quando estes se colocam diante de uma mesa posta para um banquete, é um concerto de Paganini; porém esta escolha não foi feita ao acaso, mas porque Paganini trabalhou durante anos como músico para a princesa Ana Bonaparte; reforçando a importância de Napoleão em vários episódios da peça. Mas toda esta criação infinita de detalhes e sugestões não foi realizada em desacordo com o texto de Müller, senão sobre ele, seguindo quase linha por linha, como se os limites, os obstáculos e as dificuldades fossem a matéria do verdadeiro artista.

Quando termina o espetáculo, onde assistimos dor, morte, fracasso e desolação, o estado de ânimo é de entusiasmo. A encenação torna real estas palavras de Müller a propósito do que o teatro pode oferecer: “O trágico é de fato muito vital: vejo a morte de um homem e isso me fortifica. No entanto, habitualmente, para a maior parte das pessoas, é triste que alguém morra”. Müller, sem dúvida um estóico, que não por acaso escreveu um poema ou performance sobre a morte de Sêneca, disse que temos de viver “sem expectativas nem desespero”.

Como acontece com os espetáculos do “Ói Nóis…” tudo é claro e preciso, tudo funciona perfeitamente, o ritmo não se quebra nunca, apesar da pluralidade de cenários, tudo tem medida e intensidade, audácia e bom gosto, transcendência e graça; e em todos os lugares se ouve os roncos e grunhidos de Dionísio. A interpretação está totalmente amalgamada, Tânia Farias cumpre com sofisticação o difícil papel de fazer um homem negro (Sasportas) e Paulo Flores nos deleitou com uma das suas melhores  interpretações.