Oi Nois Aqui Traveiz

Antígona, Ritos De Paixão E Morte (1990)

Sinopse

A peça transcorria em cinco ambientes. Começava no pátio da Terreira com a encenação da batalha entre Tebas e Argos. Os guerreiros misturavam-se ao público. Os personagens Polinices e Etéocles destacavam-se dos demais por estarem em pernas de pau. Com muita agilidade, os atuadores manejavam espadas e escudos, travavam duelos no telhado, desciam pendurados em cordas e se locomoviam sobre carretéis de fios elétricos (que faziam as vezes de carro de guerra). O som de um bumbo assemelhava-se ao ritmo da batida de um coração primeiramente compassado, depois acelerado e gradativamente lento até cessar por completo.

Num segundo momento, os espectadores eram introduzidos em um grande deserto. Toneladas de areia foram descarregadas dentro do teatro para criar a imagem de ruína e desolação em que se encontrava o povo de Tebas e, também, para reproduzir o símbolo da solidão do homem moderno. A primeira providência que o grupo tomou a estruturar a montagem foi romper a unidade de tempo e espaço característica da tragédia grega. Não queria reproduzir um palácio à semelhança de uma época remota e específica. Então, recusou a linguagem realista e se baseou na estética do fragmento, fundindo as informações do mito aos referenciais do mundo de hoje. Além disso, preferiu o despojamento trabalhando com elementos simples. Este traço foi particularmente marcante no figurino: com exceção dos guerreiros, que usavam indumentária típica, os outros personagens apareciam completamente nus ou parcialmente encobertos com panos coloridos. O deserto incluía um pequeno lago, uma ponte móvel de madeira e cordas, um praticável que servia de fachada da corte e um monte elevado de terra onde ficava exposto o corpo de Polinices (um esqueleto montado com crânio de gesso e ossos de gado). Neste cenário o público assistia ao “Rito de Luto de Antígona e Ismênia”, à “Coroação de Creonte pelo Conselho de Anciãos”, ao “Confronto do rei com seu filho Hemon” (noivo de Antígona), a Impossibilidade do Encontro com Hemon”, entre outros episódios, num total de vinte e cinco cenas das trinta previstas no roteiro da peça. Algumas delas merecem destaque:

“O Rito de Sepultamento”: (Poesia e dramaticidade nos dois enterros de Polinices.) Após ouvir de Ismênia que seria loucura, pois são apenas mulheres e nada podem contra o sistema, Antígona decide ir sozinha enterrar o irmão. A heroína coloca um punhado de terra nas mãos e alguns espectadores e entoa um lamento agude e lírico enquanto se dirige ao corpo. O canto distrai os soldados que fazem a guarda. Com um jarro de cerâmica, ela derrama lentamente os grãos de areia que sepultam o tradiro. Quando o morto é desenterrado, Antígona retorna exaltada. Sua dor e desespero ficam explícitos nos músculos tensos, nos gritos e nos movimentos que faz para enterra-lo novamente.

 “A Roda do Destino”: (Uma cena curta e instigante. Aparecia quando Antígona era condenada.) Os atuadores deitavam-se sobre o eixo do carretel, que antes serviu como carro de guerra. Quando os corpos nus começavam a girar, via-se uma imagem alusiva `a carta número 10 do tarô, a Roda da Fortuna. A roda, símbolo do progresso da humanidade, estava presente em todo o espetáculo, ora como sentido de opressão, ora com o intuito de transformação. Esta cena demonstra o interesse do Grupo em tornar real tudo que fosse descrito no texto. Ela corresponde a um trecho do coro de Sófocles que se refere ao destino do homem.

Na seqüência, o público era levado a uma choupana (uma sala revestida de juta e com um forte cheiro de alfafa) e assistia ao diálogo entre uma mãe e o filho que desertara da guerra. Esta cena não existe em nenhuma versão de Antígona, mas foi a forma do Ói Nóis encontrou também expor a história sob a ótica do povo, já que, na tragédia, clássica, predomina a visão da realeza.

 “A Ronda Báquica”: (A cena mais ousada da peça.) Para ocultar o sofrimento de Antígona, que foi encaminhada à gruta onde deve morrer, e ludibriar o povo a respeito da guerra, que ainda não acabou, Creonte conclama todos a celebrar a tradicional festa da fertilidade – o Bacanal. O rei finge incorporar o deus usando máscara e exibindo extraordinário falo que, a certa altura, é cortado pela espada de uma bacante. O enterro do falo antecipa todo delírio. Durante trinta minutos, os atuadores dançavam, cantavam, bebiam, insinuavam-se ao público e trocavam carícias numa sucessão de jogos eróticos. Com muita sensualidade, ofereciam à platéia uvas, castanhas, flores e vinho. Havia quem aceitasse e quem se escondesse. Nada era previsível durante o Bacanal. Havia pessoas que reagiam com indignação, ofendiam-se e retiravam-se da peça. Outros, mais descontraídos (poucos, é verdade), tiravam a roupa e participavam ativamente. A orgia era interrompida por Tirésias, que acusava Creonte de profanação e o responsabilizava pela iminente desgraça que ameaçava Tebas. “Todos comemoram da graxa de um homem morto”, dizia. Nessa hora ficava visível o constrangimento de alguns espectadores que ainda se deliciavam com as especiarias oferecidas. Por último, os espectadores eram conduzidos à gruta (para ambientá-la , o Ói Nóis forrou uma peça com arbustos do tipo barba-de-bode.) Alertado por Tirésias de que o pior estava para acontecer, Creonte decide voltar atrás e libertar Antígona. Mas chega tarde e a encontra enforcada (a atriz ficava sentada em um balanço com a corda no pescoço e coberta com um manto branco, parecendo que tinha o corpo suspenso.) Revoltado com a morte da noiva, Hemon volta-se contra o pai disposto a matá-lo. Ao fracassar em sua tentativa, suicida-se diante do rei. No final, a derrocada de Tebas. Com o filho morto nos braços, amparado pelas mulheres, Creonte entrega-se ao invasor. Quando as pessoas saíam para o pátio, passavam por escombros de fogo. Sobre os grandes carretéis eram colocados aros de metal forrados com panos que ardiam em chamas para expressar a destruição da cidade. 

Ficha Técnica

Autor: Sófocles

Fragmentos: Albert Camus, Anaïs Nin, Antonin Artaud, Bertolt Brecht, Dante Alighieri, Edgar Alan Poe, Ezra Pound, Fiodor Dostoievski, Friedrich Nietzsche, Heiner Müller, Hölderlin, Jean Anouilh, Jean Cocteau, Jean Paul Sartre, Julian Beck, Lao Tsé, Mallarmé 

Assessoria teórica: Paulina Nólibos

Direção, cenografia e figurino: criação coletiva

Máscaras: Isabella Lacerda

Iluminação: José Carlos Carvalho e Mário

Contra-regras: Daniela Wilges e Sandra Possani

Contra-regras em substituição: Adir Kettenhuber, Rogério Lauda e Túlio Quevedo

Mestre-de-obras: Antônio Motta

Assistente de cena: Sandra Possani

Elenco: Adriano Marinho, Arlete Cunha, Beatriz Britto, Clélio Cardoso, Isabella Lacerda, Jacque Rosa, José Carlos Carvalho, Kike Barbosa, Marcos Castilhos, Miriam Pereira, Paulo Flores e Sérgio Etchichury

Intérpretes em substituição: Daniela Wilges, Daniele Fagundes, Sandra Possani e Vera Parenza

Estréia: 2 de fevereiro de 1990

Local: Terreira da Tribo